Humanização do Atendimento em SaúdeAtualmente a humanização e o investimento no bem-estar do paciente é objeto de intenso debate nos serviços de saúde. |
A necessidade de se falar de humanização no atendimento em saúde surge quando se constata que a evolução científica e técnica dos serviços de saúde não têm sido acompanhadas por um avanço correspondente na qualidade do contato humano. Parece que, em muitos ambientes hospitalares, o diagnóstico e os procedimentos de tratamento, assim como a autoridade do médico e de alguns profissionais da área dispensam, definitivamente, qualquer iniciativa para melhorar o contacto interpessoal, o conforto e qualidade de vida do paciente
Os procedimentos médicos e a metodologia do atendimento em saúde, sejam de responsabilidade dos médicos ou do pessoal da área, na maioria das vezes, subestima e desconsidera as necessidades emocionais e psíquicas dos usuários. Os motivos do distanciamento humano no atendimento em saúde podem ser muitos e, compreensivamente, não poderão ser esmiuçados aqui. Entretanto, grosso modo, muito mais que nas eventuais dificuldades de recursos materiais, como se alega sempre, o descaso humanitário deve ser procurado na intimidade das pessoas que atendem a área da saúde, seja na empáfia, na arrogância, no simples descaso, na falta de vocação, no desinteresse, no comercialismo, na insensibilidade e assim por diante.
Muitas dificuldades enfrentadas pelos usuários da saúde poderiam ser evitadas quando se ouve, compreende, acolhe, considera e respeita suas opiniões, queixas e necessidades, ao contrário do que tem sido feito em alguns serviços de saúde, nos quais os usuários são, basicamente, impedidos de se manifestar e de participardos procedimentos necessários a eles próprios.
Humanizar o atendimento em saúde é enaltecer o desejável comportamento ético e o arsenal técnico-científico, com os cuidados dirigidos às necessidades existenciais dos pacientes. Humanizar é também investir em melhorias nas condições de trabalho dos profissionais da área, é alcançar benefícios para a saúde e qualidade de vida dos usuários, dos profissionais e da comunidade.
Atualmente, a humanização e o investimento no bem-estar do paciente vêm sendo objeto de intenso debate nacional e internacional, inclusive, a humanização dos serviços de saúde é um dos programas prioritários do Ministério da Saúde.
O Hospital antes do Século XVIIIAntes do século XVIII, ou seja, um século antes do positivismo, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência dirigida aos pobres, já que os ricos levavam os recursos médicos para suas casas. Apesar de ser uma instituição de assistência, o hospital servia também como recurso de exclusão social pois, o pobre, como pobre, tinha necessidade de assistência e, se fosse também doente, poderia ter alguma doença contagiosa, logo, poderia ser perigoso. Além disso, o pobre poderia estar louco, ou seja, oferecer mais perigo ainda. Por conta disso o hospital existia tanto para acolher esses pobres, quanto para proteger a sociedade do perigo que ele representa.
De certa forma, não se pretendia a cura para o usuário do hospital até o século XVIII, mas sim uma assistência material e espiritual, em alguns casos pretendia-se dar os últimos cuidados ou o último sacramento.
No Século XIX, com a explosão do conhecimento e da técnica, com o aprimoramento crescente dos meios de diagnóstico e tratamento, houve uma inversão no papel dos hospitais, quase ou tão incômoda quanto a situação anterior. Duas situações extremistas; antes do Século XVIII o Hospital atendia humanitariamente bem, mas não podia pleitear a cura por não dispor dos conhecimentos técnicos necessários, depois do Século XVIII, a aquisição e o culto aos novos conhecimentos promoveram a cura, mas foi preterido um atendimento mais humanitário. No Século XIX, então, ao se abordar técnica e cientificamente a doença, confortar e consolar passaram a ser coisas do passado.
É evidente que todos sempre quiseram evitar a doença e a morte em qualquer época histórica, mas entre o sofrimento e a morte pode ser que essa seja menos temida que aquele. Pelo que se sabe da realidade dos pacientes, tem sido muito freqüente ouvir nos corredores dos hospitais em alto e bom som, que não se teme tanto a morte, em si mesma, quanto a dor e os sofrimentos relacionados ao processo de morrer. A medicina positivista busca, a todo custo, evitar a morte e, talvez, não tenha sobrado disposição para promover a vida, ao menos com a qualidade que se deseja.
É evidente que as pessoas procuram o hospital para cura de seus males e alívio de seu sofrimento, o que acontece não necessariamente nessa ordem. De qualquer forma, trata-se de uma busca de alívio, de preservação da vida, de restituição da saúde e melhoria do conforto pessoal. Mas essa problemática da dor e do sofrimento não é uma simples questão técnica, pois a intencionalidade solidária, fraterna e confortadora depende mais de uma atitude do caráter do que do conhecimento. Muito embora a ciência contribua, sobremaneira, para soluções eficientes aos problemas da doença, o sofrimento humano diz muito mais respeito à ética que à técnica.
Se no século XVIII as pessoas ofereciam atenção e cuidados humanos aos pacientes porque a ciência não podia oferecer mais nada, hoje a ciência tem muito a oferecer mas as pessoas não oferecem mais nada além da técnica. Temos atendido, na psiquiatria, seqüelas emocionais bastante mórbidas de “magistrais” tratamentos realizados em UTIs. A maioria dos profissionais desses ambientes privilegia a técnica em franco desprezo para com a questão humana. Aliás, muitas clínicas veterinárias dedicam mais atenção carinhosa aos seus pacientes que certos serviços hospitalares.
O conforto emocional dos pacientes é sistematicamente ignorado em favor dos dados objetivos do equilíbrio hidroeletrolítico, do traçado eletrocardiográfico, da eletroforese das proteínas, da pressão venosa central, da gasometria e outros parâmetros importantes, porém, quase totalmente dispensáveis se a pessoa deixa de ter vontade de viver.
Alguns tecnólogos da saúde, sejam médicos ou não, embevecidos pelos conhecimentos que acreditam ter, não se obrigam mais a dar satisfações ao paciente e aos familiares sobre o estado de sua saúde, seu prognóstico, evolução e tratamento. Parece que o conhecimento tornou essas pessoas herméticas ao cidadão comum.
O Hospital depois do Século XVIIIO enfoque marcantemente biológico que se dá ao ser humano fez com que os profissionais de saúde acreditassem no sofrimento como produto exclusivo do padecimento físico, obedecendo rigidamente aos conhecimentos da fisiologia aprendidos nas faculdades. Parece ter sido deixado de lado o sofrimento global da pessoa, físico, existencial, emocional.
Esse cientificismo costuma adotar a curiosa posição de “não permitir” o sofrimento do paciente quando não está de acordo com as leis da fisiologia humana, já que os conhecimentos objetivos sobre determinada doença definem tecnicamente o tanto de sofrimento que o paciente deve e pode se permitir. Se, de acordo com os manuais de medicina, nada de anormal aparecer na ressonância magnética ou no ultra-som, a dor ou mal estar estão proibidos.
Por outro lado, o doente passou a representar algo além de uma pessoa digna de atenção, de cuidado e assistência. O doente passou a ser um instrumento de aprendizagem, de estatística, de pesquisa, passou até a representar uma fonte de recursos econômicos para a instituição (veja a questão das poucas altas nos finais de semana, quando os hospitais não podem ficar com leitos vagos). O doente pode representar até um argumento político, uma reivindicação financeira da administração hospitalar e assim por diante.
A crítica ao positivismo é que ele ensinou a todos o preço de tudo, mas não ensinou a ninguém o valor das coisas. Talvez tenha sido um mal necessário. A ética atual discute, sem conclusão alguma, se o ser humano pode usufruir maior felicidade com o avanço da técnica.
Obviamente devem ter melhorado as condições de vida pois, inegavelmente, há uma brutal diferença entre extrair um dente hoje e no século passado, assim como também é diferente a expectativa média de vida entre meados do século XX e hoje, entretanto, a questão da felicidade em si é bastante diferente. Isso significa que o paciente deve ter suas necessidades emocionais atendidas, mesmo que estiver sendo submetido aos mais recentes avanços da quimioterapia. Quer dizer que a pessoa deve ter sua felicidade promovida e preservada, apesar das inegáveis possibilidades de viver mais por conta dos avanços da ciência.
Atualmente as conseqüências do desenvolvimento da tecnologia no relacionamento entre as pessoas estão sendo estudadas, buscando-se um equilíbrio entre o uso dos equipamentos sofisticados e de última geração com o relacionamento humano entre as pessoas, buscando um equilíbrio entre a atitude fria da técnica, entre os cálculos complicados da economia e o utilitarismo das coisas, com a compreensão das necessidades afetivas das pessoas, enfim, procura-se equilibrar a necessária idéia dos preços com a indispensável noção de valores.
Há, inegavelmente, um lado bastante positivo do reducionismo moderno por conta da aquisição de conhecimentos especializados. Na área da saúde o conhecimento específico originou as especialidades médicas, com conhecimentos mais aprofundados sobre partes menores do ser humano (daí o termo reducionismo, igualmente aplicado a outras áreas do conhecimento). A vantagem foi o conhecimento maior e mais específico, a desvantagem foi a eventual perda da noção de conjunto e integração.
Outra vantagem do reducionismo foi rediscutir os papéis profissionais, definir e especificar as atribuições de cada profissional; do médico, do enfermeiro, assistente social, psicólogo, nutricionista, terapeuta ocupacional e todos os demais trabalhadores da saúde contribuindo para a melhoria das condições e qualidade no atendimento.
Por conceito, origem e vocação a medicina e outras áreas relacionadas ao atendimento à saúde devem representar uma parte da ciência essencialmente humanística. Isso quer dizer que é desejável partir de uma visão global do ser humano, deixando de lado a concepção dualista que entende a pessoa como sendo dotada de corpo e espírito (ou físico e psíquico) mas, sobretudo, compreender a pessoa como uma unidade indissolúvel.
Neste contexto, as enfermidades, transtornos, distúrbios, doenças, enfim, quaisquer processos mórbidos deverem ser abordados não apenas através dos órgãos da pessoa, mas também e principalmente, através daquilo que ela tem de mais humano:seu componente afetivo e emocional. E a atenção a quaisquer desses estados mórbidos devem considerar outros elementos humanos além da fisiopatologia.
A assistência à saúde deve ir além da abordagem científica, ela deve ser fundamentalmente humanista e o profissional de saúde deve deixar de considerar apenas a doença, passando a cuidar do doente, da pessoa que, circunstancialmente, está sofrendo. Além da dimensão física, a pessoa deve ser atendida também em seu componente social, psíquico e emocional.
A Desumanização do Atendimento em SaúdeComo vimos, as raízes da ciência atual tiveram origem substancial no positivismo, que possibilitou o avanço galopante do conhecimento e hoje não se questiona o fato da tecnologia médica ter tido avanços inimagináveis, criando as principais condições que mudaram o estilo de vida das pessoas.
Com o avanço da ciência o hospital passou de uma instituição aonde se ia para morrer, a uma instituição onde se pretendia a cura. Socialmente, a instituição hospitalar representa uma espécie de microcosmo que reflete a sociedade geral. Ali, no hospital, encontramos em doses variadas aquilo que a sociedade tem de mais nobre, bonito e incrível, bem como o que há de mais triste, degradante e violento. Nesse microcosmo social que é o hospital, encontramos o santo e o bandido (e nem sempre o bandido morre no final), encontramos o cristão voluntarioso, caridoso, atencioso e o ateu, técnico, científico, eficiente, e do qual não se pode prescindir. Vemos a criança, que exalta sentimentos e monopoliza atenções e o velhinho que luta para viver, embora a sociedade (e o próprio hospital como reflexo) não lhe sorria mais tanto.
No hospital a humanização é ameaçada pela própria incongruência do destino, das pessoas e das circunstâncias. Ali existem tanto as jovens mulheres querendo e não conseguindo ser mães, assim como outras mais férteis, que desperdiçam vidas e promovem abortos. No hospital há pessoas lutando com todas as forças para viver e há também os médicos ocupados em salvar aqueles que acabam de fazer de tudo para tirar a própria vida. Existe, como em toda sociedade, os histéricos queludibriam e conseguem passar na frente de graves emergências médicas, existem médicos, como tantos outros profissionais, que economizam competência quando o dinheiro é pouco, existem os técnicos de laboratório que fazem greve, os diretores que aferem lucro e os contadores que fraudam a previdência.... Mas tem também pessoas caridosas que consolam, bombeiros que fazem parto na ambulância... Enfim, o hospital representa a sociedade, e não costuma ser mais nem menos desumanizado que esta.
Assim sendo, ao se falar da desumanização das instituições de saúde, devemos lembrar que essas instituições, como quaisquer outras, refletem a problemática daquilo que acontece em nossa sociedade. Se pretendermos alguma coisa mais séria e profunda em relação ao tratamento que se dispensa às pessoas na área da saúde, devemos buscar antes, na sociedade, as raízes da desumanização dos contactos interpessoais. A humanização da instituição da saúde deve passar, obrigatoriamente, pela humanização maior e condicionante de toda a sociedade.
Afinal, o que é ser um profissional humanizado?Em razão do desenvolvimento tecnológico na medicina, alguns aspectos mais sublimes do paciente, tais como suas emoções, suas crenças e valores, ficaram em segundo ou terceiro planos. A doença, entretanto, objeto do saber cientificamente reconhecido, passou a monopolizar a atenção do ato médico. E deve ter sido com esse enfoque eminentemente técnico que a medicina se desumanizou.
Humanizar o atendimento não é apenas chamar o paciente pelo nome, nem ter constantemente um sorriso nos lábios mas, além disso, é compreender os medos, angústias e incertezas, é dar apoio e atenção permanente ao paciente. Humanizar também é, além do atendimento fraterno e humano, procurar aperfeiçoar os conhecimentos continuadamente é valorizar, no sentido antropológico e emocional, todos elementos implicados na assistência. Na realidade, a humanização do atendimento, seja em saúde ou não, deve valorizar o respeito afetivo ao outro, deve prestigiar a melhoria na vida de relação entre as pessoas em geral.
Entre os tópicos importantes na humanização do atendimento em saúde escolhemos alguns poucos, mas relevantes, para registrar aqui; o interesse e competência na profissão, o diálogo entre o profissional e o usuário e/ou seus familiares, o favorecimento de facilidades para que a vida da pessoa e/ou de seus familiares seja melhor, evitar aborrecimentos e constrangimentos e, por fim o respeito aos horários de atendimento. Como se percebe, esses não são tópicos monopolizados pela área da saúde. Eles deveriam orientar os relacionamentos interpessoais em geral.
De modo geral algumas atitudes são diretamente relacionadas ao que se pretende com a Humanização do atendimento:
1. - Aprimorar o conhecimento científico continuadamente; interesse e competência.
O conhecimento continuamente adquirido deve ser o mais global possível, objetivando sempre atender as necessidades gerais dos pacientes, ao invés de se limitar à questão física ou específica da especialidade.
Na oncologia, por exemplo, entre outras especialidades, a abordagem da dor e do conforto do paciente deve acontecer paralelamente à utilização dos mais recentes avanços terapêuticos. Deve-se atender também outros aspectos da qualidade de vida, como por exemplo, os efeitos colaterais do tratamento oncológico, a qualidade do sono do paciente, seu estado afetivo, sua sexualidade, apetite, estética, etc. Não se pretende, com isso, que o oncologista tenha todos esses conhecimentos, mas que seja sensível a ponto de facilitar para que o paciente conte com todos esses recursos.
2. – Aliviar sempre que possível, controlar a dor e atender as queixas físicas e emocionais.
A atenção emocional diz respeito à compreensão sensível das queixas do paciente, mesmo que estas não tenham base fisiopatológica ou anatômica. O que está em questão não são os limites dos livros de fisiopatologia, mas sim, a representação da realidade pelo paciente, suas vivências e seu estado existencial atual.
O alívio global do paciente nem sempre se proporciona só com analgésicos ou outras intervenções técnicas. Para o conforto global é imprescindível o bem estar afetivo, o qual pode envolver a companhia constante de familiares, a atuação de terapeutas, uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos e outros recursos psicoterápicos e ocupacionais necessários.
3. - Oferecer informações sobre a doença, prognóstico e tratamento.
Os profissionais da saúde não devem economizar palavras ou qualquer outra forma de comunicação com os pacientes e familiares. O silêncio do profissional é uma das mais importantes queixas em relação ao mau atendimento.
Diante de um profissional calado e silencioso o paciente pode fantasiar para pior o seu estado de saúde, agravando assim seu estado emocional e, conseqüentemente, orgânico. As dúvidas e a carência de informações são as principais causas de não aderência ao tratamento e de procedimentos incorretos por parte dos pacientes, familiares e/ou cuidadores. A falta de diálogo com o profissional da saúde pode ser iatrogênico.
Não raras vezes ouvimos de pacientes que o simples contacto com o médico (ou outro profissional da saúde) foi suficiente para que começasse a melhorar. Essa melhora deve-se ao diálogo, à empatia e à comunicação lenitiva do profissional da saúde.
4. – Respeitar o modo e a qualidade de vida do paciente.O tratamento médico deve, prioritariamente, ser uma atitude que visa melhorar a qualidade de vida do paciente, portanto, qualquer limitação ao seu estilo de vida imposta pelo tratamento deve ser evitada (desde que o estilo de vida em questão não seja o objeto do tratamento, como por exemplo, alcoolismo).
Alguns profissionais costumam ser insensíveis à esses valores, priorizando seus tratamentos em detrimento da qualidade de vida do paciente. Eles exigem que o paciente seja adequado ao tratamento e não ao contrário, o que seria desejável. O paciente não tem problemas que contra-indiquem o uso social de uma taça de vinho. Então, o médico deve procurar preferir os medicamentos que não comprometam esse agradável e sadio hábito.
Nunca me esqueço do hospital onde trabalhava, cujas enfermeiras acordavam os pacientes às 23 horas, para tomarem o medicamento (sonífero) para dormir. Outro autoritarismo médico que costuma ignorar totalmente a qualidade de vida dos pacientes é o hábito de marcar exames que exigem jejum para os horários da tarde, submetendo o paciente a sofríveis horas de fome.
Essas atitudes podem sugerir, às vezes, que a comodidade do médico acaba resultando em grave desconforto ao paciente. Também é o caso, por exemplo, das noções de horário e de desconforto que parecem não existir em alguns colegas médicos. Pacientes são submetidos a esperas intermináveis pelo atendimento, em franco desrespeito aos seus direitos.
5. - Respeitar a privacidade (e dignidade)do paciente.
Tem sido tênue os limites entre tudo o que o paciente deve se submeter para melhorar e facilitar o trabalho do médico ou profissional de saúde e aquilo que o profissional quer que o paciente faça apenas para seu conforto e comodidade.
Existem em determinados hospitais algumas roupas padronizadas para seus pacientes que aniquilam totalmente a dignidade, deixando à mostra sua intimidade para pessoas que nem estão envolvidas na questão do diagnóstico e tratamento. Existem privações, proibições e restrições hospitalares que não resistem ao mínimo questionamento de um simples “porque não posso?”.
Nunca esqueço de uma conhecida minha que, estando prestes a ser operada devarizes no tornozelo, foi submetida à tricotomia pubiana (raspagem dos pelos) porque havia uma “norma” dizendo: "para cirurgias de varizes, deve ser feita a tricotomia". Seria de se perguntar se para varizes do esôfago também deveriam ser raspados pelos pubianos. Ora, essa atitude corresponde a mandar raspar a cabeça de todos que fossem submetidos à extração dentária.
Algumas atendentes de laboratório mandam o paciente voltar no dia seguinte porque não obedeceram ao jejum e, portanto, não podem retirar o sangue para o exame. E adotam esse procedimento para qualquer exame, mesmo que a alimentação não interfira neste determinado exame. Muitas vezes, um pouco de disposição e boa vontade evitaria que o paciente perdesse a viagem, evitaria que ele voltasse mais uma vez para atendimento.
6. – Compreender a importância de se oferecer ao paciente um suporte emocional adequadoÉ alta a porcentagem de pessoas que pioram o quadro e as queixas depois de conversarem com profissionais da saúde, principalmente quando a conversa passa longe da sensibilidade necessária ao bem estar emocional e afetivo do paciente. Essa frigidez emocional, comum em ambientes que deveriam confortar, pode resultar em agravamento dos sintomas, desenvolvimento de depressão e ansiedade que comprometem enormemente a recuperação.
Ficar lembrando que tal procedimento costuma ser muito doloroso, que tudo depende da biópsia, que isso não costuma ter cura, que as seqüelas são terríveis, e coisas do gênero não contribuem em nada para o bem estar do paciente, muito pelo contrário. Não é necessário mentir para que o paciente se sinta bem, mas escolher as palavras para transmitir a verdade é uma questão de vocação, sensibilidade e bom senso. Uma orientação que dava aos meus alunos do último ano de medicina era imaginar como você gostaria que um profissional em seu lugar dissesse para a senhora sua mãe.
Para o suporte emocional é importante favorecer algumas preferências do paciente que não comprometem em nada o andamento do tratamento, como por exemplo, em relação aos acompanhantes, às visitas e outros hábitos costumeiros. Sempre me sentia bem em sugerir aos cardiologistas que elaborassem listas do que seus pacientes podiam fazer, ao invés das enormes listas daquilo que eram proibidos.
Isso tudo, ou seja, a introdução de recursos mais próximos do cotidiano das pessoas, tais como músicas, vídeos, filmes, apresentações, atividades artísticas, lazer, etc, suaviza a característica fria da atenção à saúde e melhora o estado emocional. São mundialmente reconhecidos os benefícios dos “hospitalhaços” e afins na convalescença dos pacientes internados.
7. - A instituição deve oferecer condições de trabalho adequadas ao profissional de saúde. O grau de ansiedade, frustração e descontentamento do profissional (em qualquer área) tende a repercutir em seu trabalho. Há instituições de atendimento já consideradas humanizadas, porém, algumas vezes essa humanização diz respeito exclusivamente à melhorias da estrutura física dos prédios. Evidentemente que a estrutura física dos imóveis é bastante relevante, mas a humanização da instituição vai além disso.
Quando a instituição não oferece condições satisfatórias para seus profissionais há um risco bastante aumentado do atendimento não se processar satisfatoriamente. Também todo o sistema está envolvido. O sistema deve atender a instituição em suas necessidades básicas administrativas, físicas e humanas.
Perspectivas Institucionais de Humanização do Atendimento em SaúdeEm 1995 houve uma publicação da revista Veja, matéria de capa, intitulada: UTI, o corredor da vida e da morte. A matéria chocou os profissionais da saúde, pois trazia depoimentos de pessoas que preferiam morrer a terem que se submeter a alguma terapia intensiva, como foi o caso do intelectual Darci Ribeiro.
Alguns projetos de humanização vêm sendo desenvolvidos há alguns anos, em áreas específicas da assistência, por exemplo, na saúde da mulher, da criança, entre outros. Atualmente têm sido propostas diversas ações visando à implantação de programas de humanização nas instituições de saúde, especialmente nos hospitais, tal como oPrograma Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) do Ministério da Saúde em 2000, com o objetivo de promover uma mudança de cultura no atendimento de saúde no Brasil.
São vários os projetos e ações que desenvolvem atividades humanizadoras ligadas a artes plásticas, música, teatro, lazer, recreação, incluindo iniciativas do Ministério da Saúde no sentido de valorizar atitudes humanizadas.
Para que o trabalho de um profissional seja eficiente e ao mesmo tempo humanizado, em qualquer área e não apenas médica, são necessários conhecimento, qualidade técnica e, indubitavelmente, uma boa qualidade de inter-relação humana. Em medicina, a qualidade exige o desenvolvimento de conhecimentos e de capacidade técnica mas, para a qualidade de inter-relação humana o médico precisa reconhecer e lidar com os aspectos emocionais do paciente, isto é, precisa desenvolver atitudes eficientes e humanas em sua tarefa assistencial.
As atuais condições do exercício da medicina não têm contribuído para a melhoria do relacionamento entre médicos e pacientes, nem para o atendimento humanizado e de boa qualidade. E esse quadro atual se estende também a outros profissionais da área de saúde.
As dificuldades de humanização começam pelo lado do paciente. É fundamental considerar, para a humanização do atendimento, se o paciente está inserido em um contexto pessoal, familiar e social satisfatório. Esse contexto é indispensável até para a adesão ato tratamento, para a procura do serviço de saúde, para acompanhamento do tratamento.
Em segundo, a assistência à saúde deve priorizar as necessidades pessoais e sociais do paciente. Há um bom número de médicos que diagnosticam muito bem e prescrevem tratamentos primorosos, entretanto, não têm a mínima noção (e pior, a mínima preocupação) em saber se o paciente pode adquirir os medicamentos. Como costumam dizer, esse problema não é deles.
Ainda tem a questão primordial da instituição. Na instituição interatuam as necessidades de quem assiste e de quem é assistido e a satisfação de quem é atendido, infelizmente, depende, antes, da satisfação de quem atende.
Programa Nacional de Humanização da Assistência HospitalarFoi criado em 1997, pelo Ministério da Saúde, um Programa Nacional de Educação Continuada em Dor e Cuidados Paliativos para os Profissionais da Saúde. Isso visava uma abordagem não apenas técnica, mas sobretudo humana para a questão do sofrimento. Essa preocupação era mais voltada aos pacientes oncológicos, pois, as dores oncológicas representam 5% das dores crônicas. Os estudos têm apontado que a dor oncológica não tem sido adequadamente controlada, não por falta de recursos terapêuticos, mas por avaliação imprecisa do quadro de dor e utilização inadequada do arsenal terapêutico disponível e subvalorização das necessidades do paciente.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 4,5 milhões de pacientes em países em desenvolvimento e desenvolvidos morrem anualmente sem receber tratamento da dor e sem que lhes sejam considerados outros sintomas tão prevalecentes quanto a dor e que também causam sofrimento.
Em 2000, o Ministério da Saúde, sensibilizado pelo número significativo de queixas dos usuários referentes aos maus tratos nos hospitais, tomou a iniciativa de convidar profissionais da área de saúde mental para elaborar uma proposta de trabalho voltada à humanização dos serviços hospitalares e de saúde. Estes profissionais constituíram um Comitê Técnico que elaborou um Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), com o objetivo de promover uma mudança de cultura no atendimento de saúde no Brasil.
O PNHAH propõe um conjunto de ações integradas que visam mudar substancialmente o padrão de assistência ao usuário nos hospitais públicos do Brasil, melhorando a qualidade e a eficácia dos serviços hoje prestados por estas instituições. Seu objetivo fundamental é aprimorar as relações entre profissionais de saúde e usuários, dos profissionais entre si, e do hospital com a comunidade.
A implantação do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar foi resultado do esforço integrado do Ministério da Saúde, Secretarias estaduais e municipais e entidades da sociedade civil. De 2000 ao final de 2002, o Programa deveria ter atingido um conjunto de cerca de quatrocentos e cinqüenta hospitais.
Através de normas e orientações o PNHAH se propunha a promover uma requalificação dos hospitais públicos, valorizando assim a dimensão humana e subjetiva presente em todo ato de assistência à saúde. Com este intuito, o Ministério da Saúde concederia o título de "Hospital Humanizado", pelo prazo de um ano, aos hospitais cujo padrão de assistência e funcionamento global estejam em conformidade com os indicadores de humanização e os princípios e diretrizes do PNHAH.
O Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais foi um dos primeiros hospitais a fazer parte, oficialmente e sistematicamente, do Programa Nacional de Humanização na Assistência do Ministério da Saúde. Ainda em 2000, foi formada no HC da UFMG uma comissão para sua viabilização e o Programa foi instituído pela Diretoria.
Por outro lado, a despeito das elogiosas iniciativas institucionais em relação à humanização do atendimento em saúde, a maiores esperanças e expectativas não estão na intervenção do governo mas, sobretudo, nas escolas de formação dos profissionais da saúde.
A formação de profissionais da saúde deve contemplar uma visão antropológica do ser humano, muito além do aspecto fisiopatológico, muito além da formação técno-científica vigente.
Bibliografia sugeridaPortal Humaniza
Psychiatry On-line Brazil (7) Abril 2002: Saúde Mental do Profissional de Saúde
Ver na íntegra o PNHAH: http://www.portalhumaniza.org.br/ph/dados/anexos/80.zip
http://www.portalhumaniza.org.br/ph/
http://www.portalhumaniza.org.br/ph/texto.asp?id=80
http://www.fhdf.gov.br/mostraPagina.asp?codServico=891
para referir:
Ballone GJ - Humanização do Atendimento em Saúde - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2008