atualização em reumatologia
uPdate iN rheumatology
resPoNsáVel: Boris afoNso cruz
Atualização em Reumatologia: Nefrite Lúpica
Update in Rheumatology: Lupus Nephritis
Boris Afonso Cruz1
O envolvimento renal é a principal causa de morbidade e mortalidade em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). A ciclofosfamida endovenosa intermitente (pulsoterapia) é a referência para o tratamento das formas proliferativa focal e difusa da nefrite lúpica, mas uma parcela significativa dos pacientes apresenta complicações, recidivas e/ou refratariedade ao tratamento. A literatura médica vem discutindo outras formas de abordagem terapêutica destes pacientes com a intenção de reduzir efeitos adversos e melhorar a resposta clínica. Esta seção traz uma seleção de artigos recentes que discutem aspectos de caracterização, prognóstico e principalmente o tratamento desta que é uma das manifestações mais significativas do LES.
Brunner HI, Gladman DD, Ibanez D, Urowitz MD, Silverman ED: Difference in disease features between childhood-onset and adult-onset systemic lupus erythematosus (Diferença em características da doença em lúpus pediátrico e adulto). Ar- thritis Rheum 58(2): 556-62, 2008. Centre for Prognosis Studies in the Rheumatic Diseases, Toronto Western Hospital. Toronto, Canadá.
Com o objetivo de avaliar potenciais diferenças entre crianças e adultos com LES, os autores compararam coortes de crianças (n = 67, idade média de início da doença de 12,7 ± 2,5 anos, tempo de seguimento médio de 3,2 anos) e adultos (n = 131, idade média de início da doença de 36,07 ± 13,2 anos, tempo de seguimento médio de 3,5 anos) com LES quanto a parâmetros de ati- vidade da doença (SLE disease activity index – SLEDAI), dano associado à doença (Systemic Lupus International Collaborating Clinics/American College of Rheumato- logy Damage Index – SDI), tratamento e sobrevida. As crianças apresentavam maior freqüência de envolvimento renal (78% versus 52%; p = 0,0005), com conseqüente maior SLEDAI ao diagnóstico (16,8 ± 10,1 versus 9,3 ± 7,6; p = 0,0001) e, em média, durante o seguimento (5,70 ± 2,68 versus 4,59 ± 3,05; p = 0,012). Em análise multivariável por regressão linear, o início do LES na faixa etária pediátrica se associou a maior dano atribuído à doença (p = 0,04) e necessidade de imunossupresso- res (p < 0,0001). Neste estudo, não existiu diferença estatisticamente significativa quanto à mortalidade. Os autores concluem que a doença em crianças se mostra mais ativa, existe maior freqüência de envolvimento renal e os pacientes desenvolvem dano associado à doença mais rapidamente, pelo que existe necessidade de tratamento imunossupressor mais vigoroso.
1. Departamento de Reumatologia do Biocor Instituto, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço para correspondência: Boris Afonso Cruz, Rua Fernandes Tourinho, 999, sala 107, 30180-150, Belo Horizonte, MG, e-mail: boriscruz@terra.com.br
Cheunsuchon B, Rungkaew P, Chawanasuntorapoj R, Pattaragan A, Parichatikanond P: Prevalence and clinicopathologic findings of antiphospholipid syndrome nephropathy in thai systemic lupus erythematosus patients who underwent renal biopsies (Prevalência e achados clínico-patológicos da nefropatia da síndrome antifosfolípide em pacientes tailandeses com LES submetidos à biópsia renal) Nephrology (Carlton) 12:474-80, 2007. Departamentos de Anatomia Patológica, Clínica Medicina e Pediatria da Faculdade de Medicina do Hospital Siriraj, Universidade Mahidol, Bangkok, Tailândia.
A síndrome do anticorpo antifosfolípide se caracteriza por trombose venosa e/ou arterial, que virtualmente pode ocorrer em qualquer órgão ou sistema, associada à presença de anticorpos anticardiolipina, anti-β2glicoproteína e an- ticoagulante lúpico. Pode ocorrer isoladamente, quando é determinada a síndrome do anticorpo antifosfolípide primária, ou associada a outras doenças auto-imunes, no- tadamente o LES.
O rim pode ser envolvido nesta síndrome, de acordo com a definição, por trombose de diferentes vasos sangüíneos – das artérias renais aos capilares. A expressão clínica deste tipo de acometimento renal se superpõe às manifestações da nefrite lúpica como hipertensão, proteinúria significativa e insuficiência renal. O diagnóstico do acometimento renal na síndrome do anticorpo antifosfolípide fundamenta-se na combinação da verificação dos anticorpos antifosfolípides no soro e nos achados histológicos característicos, como microangiopatia trombótica, hiperplasia intimal fibrosante, trombo organizado e atrofia cortical focal. Sua prevalência chega a um terço dos pacientes com lúpus e seu reconhe- cimento tem implicações práticas, já que tais manifestações tromboembólicas aparentemente não respondem ao trata- mento imunossupressor usual dirigido à nefrite.
Neste trabalho, os autores estudaram, retrospectiva- mente, pacientes com LES submetidos à biópsia renal para estimar a prevalência de nefropatia da síndrome do anticorpo antifosfolípide e suas implicações clínicas. Foram estudados 150 pacientes com idade média de 22,9 ± 11,4 anos, por ocasião da biópsia, sendo 114 (76%) deles mu- lheres. Apresentavam anticorpos antifosfolípides no soro 53 (35,3%) pacientes, mas somente 24 (16%) tinham manifestações tromboembólicas extra-renais clinicamente definidas que permitissem o diagnóstico de síndrome do anticorpo antifosfolípide. Achados consistentes com nefropatia da síndrome do anticorpo antifosfolípide foram encontrados em 51 pacientes (34% dos casos). Quando avaliados pela idade, adultos (idade > 15 anos) apresentavam maior pre- valência que crianças (41,5 versus 16%; p = 0,003), mas não existiu diferença entre homens e mulheres. Em análise multivariada por regressão logística, a confirmação histoló- gica de nefropatia da síndrome do anticorpo antifosfolípide se associou a hipertensão arterial mais grave, insuficiência renal aguda por ocasião da apresentação clínica/biópsia e tendência de progressão para insuficiência renal crônica terminal, necessitando de terapia de substituição renal (diálise e/ou transplante). Um dado importante foi o fato de nesta amostra não existir associação entre o diagnóstico clínico prévio de síndrome do anticorpo antifosfolípide e a nefropatia a ela atribuída. Ou seja, mesmo pacientes sem eventos tromboembólicos extra-renais podem desenvolver nefropatia da síndrome do anticorpo antifosfolípide.
As principais conclusões deste trabalho são: a) a sín- drome do anticorpo antifosfolípide pode provocar dano renal com repercussão clínica significativa por mecanismo tromboembólico diferente da inflamação imunomediada característica da nefrite lúpica; e b) como seu diagnóstico por definição é histológico, os pacientes com LES e envol- vimento renal devem ser submetidos à biópsia renal para avaliação da possibilidade de nefropatia da síndrome do anticorpo antifosfolípide, principalmente se existirem an- ticorpos antifosfolípides e/ou sinais/sintomas persistentes a despeito de imunossupressão.
Houssiau F: Thirty years of cyclophosphamide: assessing the evidence (Trinta anos de ciclofosfamida: avaliando a evidência). Lupus 16: 212-6, 2007. Departamento de Reumatologia, Cliniques Universitaires Saint-Luc, Université Catholique de Louvain, Bruxelas, Bélgica.
Neste artigo de revisão, o autor reavalia o papel da ciclofosfamida no tratamento da nefrite lúpica por meio da análise crítica dos dados da literatura científica ao longo dos 30 anos do uso deste citostático em LES. As primeiras evidências são dos anos 1970, quando Donadio et al. descreveram que pacientes com nefrite lúpica que receberam ciclofosfamida oral associada à prednisona apresentavam melhor evolução, no que diz respeito à função renal. No entanto, os efeitos adversos eram também evidentes.
Seguiram-se os estudos do National Institutes of Health (NIH), que tendo como desfecho primário a função renal, demonstraram que a administração endovenosa intermiten- te de ciclofosfamida se associa melhor sobrevida renal, com melhor perfil de segurança, se comparada à sua adminis- tração oral. Isto definiu a ciclofosfamida administrada na forma de pulsoterapia por período maior (até cinco anos), como o standard of care da nefrite lúpica. No entanto, o autor discute que esses estudos têm limitações, em especial o número pequeno de pacientes e o fato de não ter existido diferença na mortalidade. Outro aspecto relevante é que o esquema terapêutico ainda apresenta índice significativo de efeitos adversos, notadamente as infecções.
Na tentativa de minimizar tais efeitos negativos, esque- mas alternativos foram avaliados. A iniciativa Euro-lupus trial comparou em pacientes europeus o esquema clássico do NIH (ciclofosfamida endovenosa mensal na dose de 750 mg/m2 superfície corporal por seis meses) com a administração quinzenal de ciclofosfamida na dose fixa de 500 mg, por três meses (seis infusões; dose total de ciclofosfamida de 3 g). A última análise, com seguimento médio de 97 meses, não mostrou diferenças na freqüên- cia de doença renal terminal. Contreras et al. avaliaram a possibilidade de outros esquemas terapêuticos na fase de manutenção. Após indução com ciclofosfamida em pulsoterapias mensais (4 a 6 infusões), como preconizado pelo NIH, os autores randomizaram os pacientes para
três diferentes esquemas de tratamento: ciclofosfamida em pulsoterapias trimestrais, azatioprina e micofenolato mofetil. Após seguimento de até sete anos, os pacientes em uso de azatioprina apresentaram melhor sobrevida e os pacientes em uso de micofenolato mofetil apresentaram menor incidência de recidivas.
Outros dois estudos avaliaram comparativamente o uso de ciclofosfamida e de micofenolato mofetil como terapia de indução. No estudo pioneiro de Chan et al., a análise inicial em 12 meses não mostrou qualquer diferença te- rapêutica entre os dois agentes, mas sim maior índice de efeitos adversos nos pacientes randomizados para ciclofosfa- mida. Os dados preliminares sugeriam maior incidência de recidiva nos pacientes que receberam micofenolato, mas, a última análise com 84 meses de seguimento não mostrou qualquer diferença. Em outro estudo com menor período de seguimento (24 semanas), Ginzler et al. demonstraram que o micofenolato foi superior à ciclofosfamida no que se refere à resposta clínica completa.
Os autores entendem que, ainda que com experiência consolidada, o esquema clássico do NIH, que preconiza o uso prolongado de ciclofosfamida endovenosa, tem limitações e novas opções de tratamento devem ser avaliadas. Neste contexto, entende-se que esquemas terapêuticos menos agressivos com doses menores de ciclofosfamida ou uso de outros agentes como micofenolato mofetil são valia, notadamente em pacientes com doença de intensidade de leve a moderada. No entanto, estudos com maior seguimento são necessários para conclusões definitivas.
Zhu B, Chen N, Lin Y, et al.: Mycophenolate mofetil in induction and maintenance therapy of severe lupus nephritis: a meta-analysis of randomized controlled trials (Micofenolato mofetil como terapia de indução e manutenção de nefrite lúpica grave: metanálise de ensaios clínicos randomizados). Nephrol Dial Transplant 22: 1933-42, 2007. Departa- mento de Nefrologia do Hospital Ruijin, Faculdade de Medicina da Universidade de Shanghai e Departamento de Nefrologia do Hospital de Medicina Chinesa Tradicional Hangzhou, Universidade Chinesa de Zhejiang, Província de Zhejinag, China.
Neste estudo de metanálise, que apreciou mais de 400 pu- blicações, os autores selecionaram dez publicações relativas a cinco ensaios clínicos que incluíram 307 pacientes e compara- ram micofenolato mofetil com ciclofosfamida em pulsoterapia como tratamento de indução (quatro estudos) e micofenola- to mofetil com azatioprina como tratamento de manutenção (dois estudos). De maneira geral, no que diz respeito à terapia de indução, o micofenolato mofetil se associa à maior pro- babilidade de remissão completa [risco relativo (RR) = 3,10; p = 0,006)]. O risco de infecção foi menor em comparação à ciclofosfamida (RR = 0,65; p < 0,001), assim como o risco de leucopenia (RR 0,66; p = 0,04). No entanto, o micofenolato mofetil apresentou maior incidência de efeitos colaterais gastrintestinais. Não existiu diferença em outros parâmetros de prognóstico, como dobrar a creatinina, insu- ficiência renal terminal ou morte. Em relação ao tratamento de manutenção, não existiu diferença entre o micofenolato mofetil e a azatioprina no que diz respeito aos parâmetros de prognóstico ou aos efeitos adversos outros, como ame- norréia ou infecção.
Estes são dados robustos a favor do uso de micofe- nolato mofetil como terapia de indução na nefrite lúpi- ca. Todavia, os críticos deste regime argumentam que, embora os ensaios clínicos reproduzam dados positivos, não existem estudos com maior tempo de duração, como os ensaios realizados pelo NIH, que respaldam a escolha da ciclofosfamida em pulsoterapia como tratamento ideal da nefrite lúpica proliferativa.
Bertsias G, Ioannidis JPA, Boletis J, et al.: EULAR recommendations for the management of systemic lupus erythematosus (Recomendações da EULAR para o tratamento do lúpus eritematoso sistêmico). Ann Rheum Dis 67:195-205, 2008. Comitê do EULAR para estudos clínicos internacionais incluindo terapêutica.
Ao fazer uso de procedimentos padronizados pela EULAR, um grupo de autores, internacionalmente reco- nhecidos, se organizou em uma força-tarefa para produzir recomendações para o tratamento do LES. Este tipo de esforço é uma maneira reconhecida de integrar a medicina fundamentada em evidência à prática clínica. No que se refere à nefrite lúpica, os autores descrevem que a biópsia renal é o melhor instrumento para confirmar o diagnóstico, avaliar a atividade da doença, a cronicidade e o dano, além de determinar o prognóstico e a terapia apropriada. Quanto ao monitoramento, uma segunda biópsia pode mostrar achados patológicos que avaliem a resposta terapêutica e o prognóstico, mas representa risco adicional e pode não ser factível em todos os pacientes. Existem evidências que respaldam o uso do sedimento urinário no monitoramento da nefrite lúpica e mudanças na proteinúria, creatinina sé- rica, títulos de anti-DNAn e nível de C3 se correlacionam com recidivas renais e com o prognóstico.
Quanto ao tratamento, o artigo comenta que a com- binação de corticóide e imunossupressores é eficaz em prevenir doença renal terminal. Os autores discutem que a ciclofosfamida tem efeito positivo na evolução renal em estudos de longo prazo, mas não demonstrou impacto na mortalidade. A azatioprina em associação a corticóide demonstrou redução na mortalidade em comparação ao corticóide isoladamente. O micofenolato mofetil apre- senta eficácia, ao menos equivalente à ciclofosfamida, e menor toxicidade em estudos de pequeno e médio prazos. Ainda que os dados dos estudos com micofeno- lato mofetil sejam encorajadores, os autores concluem que a ciclofosfamida é a droga de escolha na terapia de indução em casos graves de nefrite lúpica. O micofeno- lato mofetil pode ser usado como terapia de indução em casos selecionados, sob monitoramento freqüente. A falha em se alcançar resposta significativa em seis meses de terapia de indução (melhora do sedimento urinário, redução da creatinina e redução da proteinúria para < 1 g/24 horas) impõe à intensificação do tratamento. O micofenolato mofetil pode ser de valia no tratamento de manutenção em pacientes que não toleram a azatioprina ou que apresentam recidiva. Os autores ainda discutem que estudos não controlados sugerem que até 50% dos pacientes que se mostraram refratários à ciclofosfamida poderiam apresentar resposta ao rituximabe.
Walsh M, Jayne D: Rituximab in the treatment of anti-neutrophil cytoplasm antibody associated vasculitis and systemic lupus erythematosus: past, present and future (Rituximabe no tratamento de vasculites associadas ao ANCA e lúpus eri- tematoso sistêmico: passado, presente e futuro). Kidney International 72: 676-82, 2007. Departamento de Nefrologia, Addenbrooke's Hospital, Cambridge, Reino Unido.
Nefrite é a manifestação mais grave de vasculites asso- ciadas ao anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) e LES. Ainda que a combinação de corticóide e imunos- supressores seja eficaz como tratamento destas manifesta- ções, parcela significativa dos pacientes apresenta recidiva e toxicidade associada ao tratamento. Neste artigo, os autores revêem os dados da literatura sobre o uso de rituximabe em pacientes com vasculites associadas ao ANCA e LES, mas é importante salientar que esta revisão inclui apenas séries retrospectivas e ensaios abertos pequenos, pois não existem, até então, ensaios clínicos controlados estudando os efeitos da Rituximab nestas doenças. No que diz respeito ao LES, seis trabalhos, que incluíram 98 pa- cientes (65 destes com nefrite lúpica), são descritos. Todos os estudos demonstraram alguma melhora na atividade da doença. Em conjunto, a maior parte dos pacientes evoluiu para remissão completa. A avaliação de parâmetros especí- ficos como título do anticorpo anti-DNA e da proteinúria também demonstra resultados positivos. Entre 15% e 65% dos pacientes apresentaram recidivas entre seis e 23 meses. O retratamento foi descrito em alguns pacientes, usualmente com manutenção da resposta e tolerância. Nestes estudos, reações infusionais graves foram raras. A incidência de infecção grave também foi pequena. Os dados em pacientes com vasculites associadas ao ANCA foram similares. Os autores entenderam que estes dados preliminares sugeriram que o rituximabe possa ser eficaz em casos selecionados que se mostrarem refratários ao tratamento convencional, em centros experientes. No entanto, o uso mais difundido de rituximabe em LES e em vasculites associadas ao ANCA depende de resultados de ensaios clínicos ainda pendentes.
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